A nespereira do quintal dos meus pais
ficava carregadinha de nêsperas naquela altura do ano. Dava gosto olha-la com
todos aqueles frutos tão cor-de-laranja, cheirando a doce. Eram às centenas, os
galhos dobrados com tanto peso, mas lá se aguentavam e não partiam.
Eu ficava com as mãos manchadas de
castanho depois de descascar aqueles frutinhos maravilhosos. Que bem sabiam...,
comidas à sombra daquela nespereira nos dias de calor.
Produzia dezenas de quilos de frutos que os
meus pais ofereciam aos vizinhos, pois excediam em muito o consumo da nossa casa
e mais valia repartir do que se estragarem.
Era a alegria das crianças e também
adultos que viviam na nossa rua. Seria pecado deixar apodrecer toda aquela
fruta, com tanta fome no mundo!
Muitas nêsperas eram debicadas por
passarinhos que se deleitavam com aquela sobremesa, outras eram roubadas por
passarões sem vergonha. Nem os espantalhos que o meu pai fazia os afugentavam.
Assim, a nespereira dos meus pais ia
ficando despida e triste por ver os seus ricos frutos retirados dos seus galhos
protetores.
Todos os anos era assim, da tristeza,
renascia a esperança e com ela novos frutos cresciam e amadureciam.
Uns anos mais tarde, os meus pais
venderam a casa, o quintal e todas as árvores que lá existiam, e também a
nespereira.
Aos novos donos, os meus pais fizeram
as recomendações sobre como deveriam cuidar da nespereira e elogiaram os seus
frutos, pediram mesmo para terem especial carinho por ela.
Durante anos não tive mais notícias
da nossa nespereira, tive saudades. Os meus pais ainda hoje, passados mais de
20 anos recordam-na com carinho.
Foi assim, que resolvi colocar um anúncio
no jornal pedindo noticias sobre a nespereira da Rua Curaçau, nº 23, do bairro
da Vista Verde.
Passados alguns dias recebi um
telefonema do atual proprietário, o Senhor Guilherme, dizendo que tinha
comprado a casa a cerca de meio ano e que a única arvore que existia no quintal
era a nespereira que estava enorme. O Senhor Guilherme estava a pensar em
deitá-la abaixo para construir uma piscina para as filhas.
O meu coração sobressaltou-se e então
supliquei ao Sr. Guilherme que não o fizesse pois a nespereira era muito
especial, pedi-lhe para esperar mais 2 ou 3 meses para ver e saborear os seus
frutos. O Sr. Guilherme aceitou e prometeu-me que aguardaria.
Fomos mantendo o contacto, até que
passados uns meses, o Sr. Guilherme telefonou-me a avisar que a nespereira
estava carregadinha de nêsperas doces e suculentas e que as filhas lhe tinham
pedido para não a cortar. Ele já não ia construir nenhuma piscina.
Fiquei tão contente...! Agradeci-lhe e
disse-lhe que seria muito bom para as filhas manter aquela arvore tão especial.
O Sr. Guilherme ofereceu-me nêsperas,
caso eu quisesse, disse-lhe que sim, para matar as saudades. Teria que me
enviar por avião, entrega especial, pois eu vivo noutro país. Fiquei de
pagar o transporte e o Sr. Guilherme de enviar as nêsperas da “minha”
nespereira.
Fiquei feliz por ter salvo aquela
árvore tão especial, por ter feito um novo amigo e por saber que aquela
nespereira irá fazer feliz e trazer boas memórias de infância as filhas do Sr. Guilherme,
tal como se tinha passado comigo.
Fim
Autor: Regina Lavandeira Mendes
Abril 2010